Cena punk e futebol: como cidades ricas tanto em dinheiro quanto em futebol deram origem aos icônicos cenários do movimento punk

A conexão entre música e esporte é uma das mais fortes no meio cultural – e por motivos bem claros. Ambos os ramos são duas das mais populares maneiras de expressão de um povo e/ou movimento, criando arte que mostra os lados bom e ruim de fazer parte do grupo em questão.

Não é por menos que o laço entre a cena punk e o futebol também emerge de maneira especial nos contextos musical e esportivo. Bandas punk em geral se originam de lugares periféricos que querem vocalizar para o mundo os seus sentimentos mais profundos, e uma das melhores maneiras de extravasar tais sentimentos se dá por meio da torcida por um clube de futebol muitas vezes conectado a tal lugar periférico.

O contexto torna propício conectar as grandes cenas de punk mundo afora com os clubes de futebol atrelados às localidades específicas. É uma ponte que muitas vezes une “perfect strangers”, a partir da interação de um clube com fins fidalgos e uma cena periférica por natureza.

A cidade de Santos pode ser mencionada como um exemplo de tal conexão. O time que leva o nome da cidade não está no melhor dos lugares atualmente, como indicava a casa de aposta Betfair no dia 12 de maio ao colocar o clube como nono favorito à Copa Libertadores desta temporada – bem atrás de rivais locais, como Palmeiras e São Paulo. No entanto, a cidade litorânea do estado de São Paulo não só tem um dos maiores clubes do país como também uma das maiores torcidas punk da América Latina, a Punk Santista – desenvolvimento esperado, visto que Santos é considerada a “Califórnia brasileira” graças às várias bandas punk que ali surgiram, desde o Garage Fuzz até White Frogs.

NEW YORK

É difícil falar sobre cidades com grandes cenas punk sem passar por Nova York no caminho. Enquanto a cidade estadunidense hoje é associada ao luxo da Times Square, da ilha de Manhattan e de tantos outros lugares que são cenários de filmes que fazem parte do nosso cotidiano desde a década de 1980, nem sempre as coisas foram tão “limpas” assim.

Foi de fato em Manhattan que os primeiros acordes de bandas que são consideradas as matriarcas da cena, como Television e Ramones, foram tocados para o grande público. O CBGB foi um espaço que se tornou icônico por conta disso, dando voz a meninos de bairros como o Queens, que não teriam suas exclamações ouvidas não fosse o palco oferecido pelo bar em East Village.

Ao mesmo tempo que a cena punk de Nova York começava a influenciar a música em outros cantos do mundo, surgia também na cidade um projeto ambicioso de futebol: o New York Cosmos, que se tornou o último clube de Pelé. Apesar de sua curta existência, desde sua criação em 1970 por dois executivos de uma grande gravadora musical até seu fim, em 1985, o clube ficou famosíssimo entre os novaiorquinos, que acabaram trazendo-o de volta em 2010. Além disso, o Queens de Joey Ramone e cia. terá em breve um clube próprio: o Queensboro FC, que estreará nos campos em 2022.

HAMBURGO

A cidade alemã à beira do rio Elba é também um dos maiores polos econômicos da Europa desde a Idade Média graças a iniciativas como a Liga Hanseática, uma aliança entre cidades mercantis que manteve domínio sobre o comércio do norte do continente por vários séculos.

À primeira vista, este não parece ser um cenário muito propício para o surgimento de uma grande cena punk, mas o que aconteceu na prática foi o exato oposto.

Na rua Reeperbahn, onde se localizam alguns dos clubes mais infames do continente, passaram também os Beatles antes de verem sua fama estourar em todo o planeta. A rua também serviu de referência para muitas músicas de bandas punk, como The Toy Dolls e The Hard-Ons.

Hoje, no entanto, a associação entre a cena punk e Hamburgo é mais conhecida e divulgada graças a um dos clubes da cidade, o FC St. Pauli. O clube inaugurado em 1910 é famoso por sua torcida ativista em várias causas sociais e também pela associação da instituição e dos seus torcedores com o movimento punk por meio de bandas como Turbonegro e TALCO – que mesmo não sendo da Alemanha tiveram Hamburgo e a torcida do St. Pauli como impulsionadores de suas carreiras e inspiração para músicas como “St. Pauli”, que embalam os cantos da torcida no Millerntor-Stadion.

LONDRES

Assim como Nova York, a imagem que se tem hoje de Londres é aquela construída pela comédias românticas da década de 1990 que mostram uma cidade muito bem conservada.

Entretanto, essa imagem ignora os lados mais periféricos da localidade que possuía quase 9 milhões de habitantes em 2018.

As tensões sociais que surgem a partir desse cenário, principalmente através das desigualdades que ficavam cada vez mais claras na década de 1970, foram cenário propício para o surgimento de algumas das grandes bandas de punk da história. Os mais conhecidos produtos dessa época são The Clash e The Damned, com os primeiros ficando conhecidos justamente pelo conteúdo altamente político e ativista de suas letras. Não se pode deixar de mencionar também os Sex Pistols, banda originária de Londres cuja acidez do seu anarquismo lírico causou choque.

Londres não é apenas uma das capitais do punk, mas também do futebol. Dois dos clubes mais ricos do mundo, Arsenal e Tottenham, ficam nas regiões mais pobres da cidade. Além deles, também está localizado na cidade o Crystal Palace, considerado um dos poucos clubes ingleses que mantiveram a “anarquia” das grandes torcidas do país que vigorava até a década de 1980.